quarta-feira, janeiro 10, 2007

Do Fundamentalismo Democrático

Nesta época de extremos e fundamentalismos, onde a letra se sobrepõe ao espírito em todos os sectores da vida (sejam eles a Religião, a Economia, a Política), só poderemos atingir qualquer tipo de equilíbrio concentrado-nos, precisamente, no "espírito" não na "letra". Como diz o Evangelho a letra mata, mas o espírito vivifica.

Falava ontem com uma pessoa quanto à liberdade de expressão religiosa de um Rei, ou de um Chefe de Estado. Dizia esta pessoa que um Chefe de Estado não deve assumir a sua fé em público, deixando qualquer prática desta ordem para a sua vida privada. Caso praticasse a sua fé em público, digamos o catolicismo, então deveria ir um igual número de vezes a uma mesquita e a uma sinagoga para poder representar todo o seu Povo. Ora, não podemos deixar que o mecanicismo democrático impere sem regras na nossa vida. O sentido literal, ou o "letra", da Democracia é ser o governo do Povo, para o Povo. Todos sabemos que isso é uma utopia e está longe de ser aquilo que acontece nos estados modernos de hoje, nomeadamente em Portugal. Portanto, se a "letra" não é possível de ser posta em prática, temos de nos virar para o "espírito" que é, simplesmente, o da defesa dos direitos individuais de cada um, da ordem pública, da justiça social, etc...

Portanto, o argumento de que todos somos iguais só é verídico se for dito "todos somos iguais perante a Lei" e só assim fará sentido. Se extrapolarmos este sentido de igualdade para a total aniquiliação de toda a hierarquia, factor natural que existe em todo o tipo de sociedades, então ficaremos sós num estado anárquico e de confusão generalisada. Não podemos exigir que todos sejam iguais nos seus hábitos, na sua actividade, etc... As sociedades só evoluirão através da diversidade das iniciativas pessoais ou colectivas, que lhe trazem riqueza e lhe conferem carácter.

Resumindo, e no exemplo dado da Religião na Chefia de Estado, temos de exigir ao Chefe de Estado um igual tratamento face às várias expressões religiosas, mas não lhe podemos pedir que professe em todas para a todas representar. Bem como não lhe podemos pedir que seja negro para poder representar os portugueses de raça negra. E decerto não lhe podemos pedir que não professe em nenhuma religião para poder ser imparcial, visto que não se trata de nenhuma escolha lógica ou política, mas sim de algo que é inerente a todo o Ser Humano, que é a sua relação com o Sagrado, algo de vocacional.

Deixemo-nos portanto de considerações pseudo-egalitárias ou do politicamente correcto que tentam fazer do colectivo dos cidadãos uma massa cinzenta e disforme, uma soma linear de todas as diferenças. Dediquemo-nos sim, à aceitação do oposto ou do desconhecido e enfrentemos o futuro com um projecto na mão. Se todos o fizermos, decerto contribuiremos para uma sociedade mais rica e mais diversa e, sobretudo, mais portuguesa.

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