sábado, novembro 18, 2006

Apologia da Monarquia

Há inúmeras razões pelas quais um sistema Monárquico é superior a um não-monárquico ou a um cujas principais características não sejam as mesmas que as da Monarquia.
Isto é, o princípio monárquico deveria basear-se antes de mais na figura do Rei que, acima de tudo, se encontra a cima de qualquer luta de baixo nível, de qualquer querela familiar, partidária ou étnica, causadora de divisão dentro do seu povo. Alguém cuja presença permanente assegure os cidadãos de um país que não serão traídos por uma classe política que, desacompanhada e deixada a conduzir o país a seu belo prazer, rapidamente se torna comparável a um grupo de crianças deixadas à sua sorte por tempo indeterminado – o caos instala-se.

Diriam alguns que esta surpervisão já acontece através da figura do Presidente da República. O problema é o seguinte: estes presidentes, que executam as suas funções por não mais do que dez anos, são, novamente, políticos. Talvez sejam políticos mais isentos que outros; talvez tenham conseguido um pouco mais de respeito por parte da população do que outros; mas continuam a ser – e se-lo-ão sempre – políticos, colocados no lugar de Presidente através de um apoio de um ou mais partidos, após uma vida entregue ao acto de fazer política.

Decerto que, posta a questão, ninguém que tenha como exigência a existência de alguém no topo da pirâmide, que mantenha a ordem do país, pode ficar satisfeito com o facto de haver mais um político (desta vez um com um pouco mais de valor relativo) num lugar que não lhe pertence. É semelhante a um jogador desportivo que jogou toda a vida num certo clube que, por ser bom jogador, é promovido a árbitro. É simplesmente ilógico. Dirão alguns também, “foi o Povo que o colocou no lugar onde está”. A resposta nua crua a esta afirmação é de que ao Povo não foi dada outra escolha senão a de ir às urnas e votar. Portanto, não foi o Povo que seleccionou os candidatos ou o sistema em que estes são eleitos. Ao Povo foi dito: “Há dois candidatos, apoiados pelos partidos x e y, vão às urnas e votem no que preferirem”. É legítimo perguntar-mo-nos onde está a verdadeira oportunidade de o Povo beneficiar da sua escolha, visto que a única escolha que teve foi poder escolher de entre os candidatos.

No contexto da propagação dos sistemas deve ser também considerado como incorrecto partir do pressuposto de que só porque uma certa fórmula de organização, seja ela política, económica ou social, tenha resultado num certo cenário, ou seja num certo país, que esta seja simplesmente reproduzível noutros locais, com outros povos, sendo o seu sucesso aguardado como dado adquirido, como se um franchising se tratasse. Isto, sendo verdade, vai tanto a favor como contra a Monarquia, mas acima de tudo, é a favor da melhor solução de estado para cada país. Não devemos estar entregues à missão de ser favoráveis à Monarquia, ou à República, ou a qualquer outra forma de organização do estado, mas devemos, isso sim, defender a todo o custo a mais indicada solução para cada povo, a cada altura histórica e segundo a nossa capacidade de interpretar esses factores. Por isso estavam errados todos os que pediam uma revolução por todo o mundo, seja ela a favor dos “trabalhadores”, dos “empresários” ou dos Reis. Qualquer febre, própria dos momentos de viragem, tem de ser contida dentro do seu raio de acção legítima, pois ela é, em primeira instância, meramente um sintoma de um conjunto de acções que devem ser levadas a cabo. Porém é como que “transmissível”, enquanto sintoma apenas, levando a que pessoas sob a sua influência executem acções incorrectas, inúteis ou desnecessárias.

Ao prosseguir com as características do sistema Monárquico devemos fazê-lo tratando dos assuntos que lhe foram colocados como pedaços de madeira numa engrenagem, ou seja, desmontando todos os clichés que foram utilizados para quebrar a Monarquia, que, verdade seja dita, mereceu ser quebrada na altura em que o foi, mas decerto não da maneira em que foi feita. Novamente, nenhum sistema, atingindo o estado de inerte podridão deverá manter-se no seu lugar. A respeito disto, vale a pena lembrar o princípio chinês do Mandato do Céu, em que a tradição chinesa diz que o líder de uma nação tem o Mandato do Céu; ou seja, é de acordo com a vontade divina que ele se encontre onde está e, logo, deve ser obedecido estando o seu poder legitimado. Porém, diz também a mesma tradição, que caso haja alguém que lhe consiga fazer frente e o derrote, o Mandato do Céu é para este último transferido, sendo ele o novo líder legítimo. Isto fará especial sentido na China feudal, mas o princípio por detrás deste raciocínio é facilmente verificável, visto que um líder fraco ou mal intencionado, merece ser substituído por um melhor – se ele existir – que traga ao seu povo mais felicidade e justiça. Em relação à Monarquia em Portugal, ou em qualquer outro país, cabe a um líder a responsabilidade de lutar contra os seus defeitos a todo o custo, pois, se lhes for permitido que se desenvolvam, o “cancro” não só levará consigo ele próprio, com também a família real e o país que rege. Portanto é de realçar que o principal objectivo da Monarquia e da Aristocracia é não ser uma clique, mas uma elite. Isto é, não ser um grupo de interesses duvidosos que se auto-protege, mas sim um grupo que luta para se melhorar e, consequentemente, melhorar aqueles que influencia, ou seja o país inteiro. Quanto melhor for a Realeza e Aristocracia de um país e se estas cumprirem as suas funções, mais positivo será para aqueles que os tomam como exemplo.

Um grande problema de hoje é que estas fontes de exemplos foram banidas, mais uma vez porque provavelmente necessitavam de ser recicladas, mas o vácuo foi preenchido pelas mais baixas expressões da natureza humana – aqueles que cultivam exlusivamente os valores físicos (dinheiro, aparência, etc...) e por aqueles que não anseiam por nada mais senão imiscuir-se numa atmosfera repleta de decadência, sexo e prazer corporal. Depreende-se daqui, portanto, que o que Portugal precisa neste momento é de exemplos, e não podemos encorajar mais a que estes se mostrem e se deixem mostrar. Portugal precisa de conhecer a sua história, de conhecer os valores que o orientaram: não para a eles voltar, mas para caminhar solidamente para o futuro, evitando assim a sensação de ser um país órfão recém-nascido não se sabe de onde, para ganhar a atitude de um país que já existe há séculos e séculos, agindo com a maturidade que lhe deve ser própria, não tendo vergonha daquilo que é e sempre foi.

Neste momento na história, debruçamo-nos com um problema de fundo que se resume a duas visões distintas da existência humana. Por um lado há aqueles para quem a nossa vida se resume à rotina diária envolta na chamada “criação de riqueza” (termo que aliás é completamente descabido, visto que a “riqueza” só se pode transferir, nunca criar), para benefício de alguém que, verdade seja dita, ninguém consegue com certeza identificar. Por outro lado há aqueles que vêm a existência humana como reflexo de uma realidade que nos transcende e que pensa que aquilo que temos a fazer enquanto formos vivos é aperfeiçoar-mo-nos tentando emular esses exemplos que nos são dados pelos princípios intemporais e tendo sempre presente a noção da nossa insignificância face à realidade, não só divina, mas também natural e sobrenatural. Estes últimos vêem também a existência mundana, quotidiana, como um mal necessário e não como um fim a atingir: a cada um deve ser dada, isso sim, a oportunidade de se realizar com o maior grau de liberdade possível e para isso, é necessário que exista um Rei que mantenha este objectivo como prioritário, não só na orientação da sua vida enquanto pessoa, mas que verifique que este o é também na condução do resto do país. Cabe ao Rei este propósito, pois um Rei nasce só. Só porque não tem “colegas de profissão”, pelo menos no mesmo país, com quem possa partilhar o fardo que lhe cabe – existe apenas para o povo onde nasceu. Alguém que nasce só e com este propósito vitalício, não tem contas a prestar a nenhum senhor, patrão, amigo ou familiar, mas sim e apenas a si próprio e ao seu povo, que o amará enquanto ele trabalhar para o proteger, mas que o abandonará se ele degenerar e falhar com os seus compromissos.

Seguindo o rasto dos clichés, deparamo-nos com o comentário “porque é que uma pessoa, apenas por ser descedente de um Rei, o merece ser também?”. Aqui, novamente, devemos invocar vários dos aspectos que já relatámos. Se acreditamos na existência de um Deus, então devemos aceitar que aquela pessoa seja Rei, se for essa a vontade divina. Com isto não se quer dizer que se aceite tudo o que este faz, mas sim e apenas que se ele se encontra no Trono é porque assim deve ser. Por outro lado e para amainar os argumentos colocados por alguns poder-se-ía perguntar “porque é que fulano tal, apenas por ser filho de um milionário, tem direito a ser rico?”. Deus coloca-nos onde devemos estar e decerto não nos cabe a nós decidir em que contexto nascemos. Assim, a uma certa alma coube nascer como filho de um Rei e assim se tornará Rei um dia, contando com toda a sua vida até lá para se preparar para essa função. Do mesmo modo, caberá à alma do filho de um milionário nascer nas condições em que nasce. O mesmo se aplica a um pobre ou a um órfão. O factor comum a todos é que não lhes coube a eles nascer onde nasceram, mas sim fazer o melhor possível tendo em conta as condições que lhes foram dadas e a força interior de que cada um dispõe.

Outros há que questionarão o propósito da existência de um rei que, dizem, é meramente uma fachada. A isto responderíamos que cada povo tem o seu trajecto e as suas condições particulares. Porém uma coisa é certa, o valor simbólico unificador do Rei é algo que não se dissipa, nem mesmo nas monarquias onde a figura Real tem menos influência. Parece-nos no entanto que a solução monárquica portuguesa não deverá nunca passar pela existência de um Rei “de fachada”, pois, como é óbvio, em nada iria o nosso povo usufruir destas condições – pois onde exisitir um Rei que não tem poder para defender o seu Reino, perde, de certo modo, a sua razão de existir como tal. Um Rei não deve governar, como diz a máxima, mas deve ser um poder em potência e que esta seja efectiva quando tiver que o ser.

À afirmação de que ao governo poderá chegar qualquer um, devemos opôr veementemente a realidade de que apenas alguns nascem tendo, ou crescem desenvolvendo, as capacidades necessárias para seu um bom líder, eficiente, justo, sensato e responsável. A noção pseudo-democrática de que ao governo deverá ser deixado chegar até aqueles que lá serão prejudiciais por incompetentes ou incapacitados, é totalmente desprovida de sentido. Aliás vejamos com qual das seguintes opções poderá o Povo beneficiar mais: do simples facto de saber que qualquer pessoa, seja quem for, tem oportunidade de chegar ao governo, ou da garantia que apenas os melhores dos melhores lá chegarão. Apresentando-se como óbvia a segunda hipótese cabe-nos relembrar a frase de Karl Popper, respondendo à questão que colocou Platão, «Quem deve governar?» e disse Popper o seguinte, «(deve-se) substituí-la por esta nova questão: como poderemos organizar as instituições políticas de forma que os governantes maus ou incompetentes possam ser impedidos de provocar demasiados danos?». É das mais sensatas conclusões a que se pode chegar, visto que faz parte da natureza humana haver hoje um bom governante e amanhã um que seja nefasto para o país. Cabe àqueles que têm a oportunidade e inclinação, conceber um sistema onde seja reduzida a capacidade destes maus governantes poderem danificar não só o trabalho positivo dos predecessores, mas também de prejudicar aqueles que devem usufruir da sua presença no poder.

Dizia Agostinho da Silva que portugal na Idade Média, era um país mono-árquico, ou seja, cujo Rei era um arco, uma ponte, entre as várias facções que natural e saudavelmente existem em qualquer país. Diz também o mesmo autor filósofo que quem na realidade “manda” não é o chefe do governo ou de qualquer destas facções, mas sim aquele que as concilia na medida do possível e que lhes dá um sentido, em vez de deixar que cada facção se dissipasse e se instalasse o caos. É este o Rei de que necessitamos. Não um Rei que legisle: há e deverá haver órgãos competentes para o fazer; não um Rei que governe, que lide com os pormenores do dia-a-dia: há e deverá haver um governo competente para o fazer; não um Rei que se apresente como salvador espiritual: há e deverá haver numerosas expressões espirituais (religiosas ou não) competentes para o fazer. Enfim, precisamos de um Conciliador, um Rei que saiba o que quer para o País e que entenda o que o País quer para si próprio e que, com isto em mente, concilie com resolução e dinâmica os tais aspectos da sociedade que, desprovidos da sua “orquestração” não seriam mais do que instrumentos dissonantes.

Para tudo isto, não basta alguém que seja bom, com boas intenções ou com sentido de missão: de um Rei é requisitado muito mais, ou seja, total entrega ao seu Povo e à tarefa de se aperfeiçoar para que o seu exemplo seja o mais perfeito que lhe é verdadeiramente possível. Para isto deverá um Rei ter à sua disposição os melhores meios possíveis para este aperfeiçoamento pessoal. Tutores, conselheiros, educadores, etc... deverão estar ao seu lado, nesse período de contínua formação pelo qual passará. E aqui, outro cliché surge: “porque é as pessoas da realeza têm acesso ao melhor que existe?”. Esta questão deverá ser respondida de duas maneiras, dependendo do caso onde isto se verifique. Em primeiro lugar, se a situação se verificar numa monarquia que apenas o é no nome, então a resposta é uma peremptória confirmação: não há razão para que aqueles que não têm um papel a representar devam receber esse tipo de preferência. Porém, se tal se verificar num país onde o Rei é-o de facto e não apenas na aparência, então é completamente justificado que este receba a melhor formação possível, para que o seu povo dela possa beneficiar, o mesmo se aplicando à sua família e àqueles cuja capacidade de influência na vida de outrém seja forte – o desejável, sempre, é que aqueles que tocam a vida de outros, o façam da maneira mais benéfica possível.

Quando duas crianças de igual força puxam uma corda, cada uma para seu lado, nenhuma delas nem ninguém à sua volta beneficiará desta constante e egocêntrica medição de forças. Falta um terceiro elemento, vindo de cima, para puxar a corda a meio, trazendo as forças opostas para um equilíbrio central e conciliatório. Até agora, vários pares destas crianças têm (des)governado Portugal. Do que necessitamos é deste terceiro elemento que estabilize a tenção e a torne útil para o País e não para os que são nela intervenientes.

3 comentários:

Vítor Ramalho disse...

Bem-vindo à blogoesfera.

mch disse...

Bem vindo também à blogosfera. Dá muito trabalho, excepto se houver festa no Stone's. Mas fica o testemunho! Eu escolheria um titulo mais forte. tipo tra(d)ição

LMG disse...

De acordo, esse seria um título mais polémico, mas o propósito deste blog é mesmo estar o mais longe possível do reboliço e focar apenas as questões centrais e essencias, daí a ligação que tento estabelecer ao fio condutor da Tradição: que sem ele nada é senão a tal repetição de hábitos adquiridos. Vamos ver se consigo!